This great collection of essays on cinematic space, edited by Filipa and Iván, was published this month by Routledge. My chapter is called “The Urban and the Domestic: Spaces of American Film Noir”. My congrats and thanks to both editors.
Neste Tempo
O meu “Neste Tempo” é o mais recente texto do dossier “Godard, Livro Aberto”, publicado em boa hora pelo À Pala de Walsh. Agradeço o convite do Luís Mendonça para participar neste projecto editorial a propósito da estreia de O Livro de Imagem (Le livre d’image, 2018). Escrevi um pouco sobre esse filme, mas dedico mais espaço a Eu Vos Saúdo, Maria (Je vous salue, Marie, 1985) neste artigo sobre a relação entre o cinema, a política, e a religião nos filmes de Jean-Luc Godard. Parto das reflexões do filósofo americano Stanley Cavell. São duas obras que se refazem como labirintos em expansão. O pequeno ensaio pode ser lido aqui.
O Movimento Estancado
A consciência activa da verdade material do filme passa, em muitos casos, pelo trabalho da imagem e do som para que escapem ao logro automático das evidências. No caso de Michelangelo Antonioni, um filme como O Eclipse (L’eclisse, 1962) mostra, precisamente, os poderes concretos do cinema como composição e duração. Os enquadramentos demarcam os corpos no interior das relações espaciais e fazem sobressair o vazio — o mundo como lugar cheio de presenças, mas desabitado. Na cena passada na frenética Bolsa de Roma, é acentuado o peso maciço das colunas. Quando tudo pára para homenagear um colega que morreu de ataque cardíaco, a imagem fixa, suspensa, manifesta a fixidez e a suspensão das personagens, que se movem sem saírem da prisão em que se encontram. É isso que esse momento dá a ver ao estancar o movimento convulso.
Imagem-Fluxo
Filmar a cidade é captar uma certa ideia de cidade. A Paris de Walter Benjamin é o resultado de uma análise das relações entre a subjectividade e a escala urbana, influenciada pelas teorias psicanalíticas, de Sigmund Freud a Carl Jung. A cidade é um espaço de relações. Nasce no acto de comunicação, na interdependência de pessoas e actividades. A sua composição dinâmica gera imagens que manifestam a estrutura social. O espaço urbano, como qualquer ser vivo, configura-se pelos impulsos interiores e exteriores que determinam as suas articulações, os seus pontos sensíveis, a singularidade dos seus locais na sua relação com a totalidade.
Hong Kong tem crescido organicamente, num processo de intensificação e saturação. As opções formais e expressivas de Kar-wai Wong permitem o registo compreensivo desta realidade: um fluxo incessante onde as pessoas se cruzam à velocidade da luz. A cidade devora as personagens. Elas atravessam o peso das imensas construções sem fim como se já não tivessem corpo. É o que vê no último plano de Anjos Caídos (Duo luo tian shi, 1995).
Espaço Negativo
No belo texto que escreveu para o À pala de Walsh sobre Aquaman (2018), o Luís Mendonça fala sobre o enaltecimento do “espaço negativo”. Para quem segue com interesse a obra de James Wan como cineasta, parece-me que o grande desafio crítico é entender a unidade entre os seus filmes de terror e os seus filmes de acção. Nesse sentido, Aquaman tem muito em comum com Insidious: Capítulo 2 (Insidious: Chapter 2, 2013) porque enfrenta uma questão semelhante: como representar um campo desconhecido, nesse caso a esfera dos espíritos? Em ambos os casos, para que o desconhecido se torne conhecido, visível, é necessário ajustar a visão. Os filmes optam por um desdobramento do mundo no espaço (em Aquaman) e no tempo (em Insidious: Capítulo 2) em que o espaço negativo é uma marca de imensidão, maravilhosa ou tenebrosa.
Um Buraco Negro
Como pode o cinema exprimir o indizível, aquilo para o qual as palavras não chegam? Em Sonhos de Akira Kurosawa (Yume, 1990), há um túnel que se transfigura num buraco negro de medos. É como se ao carácter indizível do que está aquém ou além da linguagem correspondesse a dimensão incomensurável do espaço.
Portuguese Women Directors
Portuguese Women Directors is a great research project hosted by the Institute of Social Sciences - University of Lisbon, financed by Calouste Gulbenkian Foundation and coordinated by Mariana Liz (ICS-ULisbon) and Hilary Owen (University of Oxford/University of Manchester), with Ana Cabral Martins’s assistance. Check out the website.
Serviço Público ao Cinema Português
Ainda não vi Parque Mayer (2018). Estreia amanhã. É verdade que o “making of” que hoje passou na televisão, em horário nobre, foi produzido pela MGN Filmes como peça promocional. Mas ao transmiti-lo, a RTP cumpriu o seu mandato de serviço público. E ponho-me a pensar qual seria a relação dos espectadores com o cinema português se esta divulgação, não só de um filme mas sobretudo do trabalho de produção cinematográfica, fosse uma aposta permanente em vez de pontual.
Terra e Poder
A Conferência Internacional sobre Cinema e Paisagem, organizada pelo Centro de Estudos Comparatistas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa com coordenação da Filipa Rosário, começou ontem e termina amanhã. Informações detalhadas aqui.
Apresentarei uma comunicação no último dia, integrada no painel “Do Colonial ao Pós-Colonial”, com a Michelle Sale e o Paulo Cunha, e moderação da Mariana Liz. Partilho o resumo desse trabalho, “Terra e Poder: As Paisagens do Cinema Pós-Colonialista de Ousmane Sembène”:
O cinema de Ousmane Sembène surgiu depois do Senegal se ter tornado independente do império colonial francês. As suas obras não se limitam a observar a realidade pós-colonial, a tomá-la como ponto de partida, retratando de forma crítica o passado colonial. Elas procuram construir um olhar pós-colonialista, analisando o impacto duradouro do colonialismo no período pós-colonial mesmo quando as narrativas se desenrolam noutra época histórica. Um dos elementos que dá forma a este olhar é a paisagem — mais concretamente, a paisagem como coisa produzida, ligada à organização social e económica. A primeira longa-metragem de Sembène, La noire de... (1966) narra o percurso de Diouana, uma criada que acompanha um casal francês da capital senegalesa para a Riviera Francesa. É neste filme que esta comunicação se vai concentrar. A contraposição da paisagem de Dakar à de Antibes torna-se uma comparação entre o passado e o presente. A estória desdobra-se e desenrola-se nestas paisagens e a história pode ser lida nelas. Depois do domínio colonial, manteve-se aquilo a que Aníbal Quijano chama de colonialidade do poder, uma estratificação social de cunho racial refletida em relações de dominação e subordinação que só se torna clara para Diouana em França. É precisamente a partir deste prisma que o filme disseca o colonialismo e o racismo, espacializando-os. A paisagem francesa é marcada por infraestruturas e meios de transporte que convidam à viagem e à circulação, mas Diouana ficará confinada num apartamento.