Para além de diferenças e rupturas, acidentes e contradições, a obra de Jean-Luc Godard foi sempre comandada por uma tenaz pedagogia ligada ao desejo de ver. Em muitos momentos do seu cinema, o dispositivo é tornado visível: da estrutura espacial de Tudo Vai Bem (Tout va bien, 1972) à mão que avança sobre a lente em Valha-me Deus (Hélas pour moi, 1993). Nos seus filmes, toda a imagem é o resultado da colisão entre a teia da matéria e o vetor da imaginação e do pensamento.
A consciência exacta da solidão de cada ser — no limite, de cada imagem — num universo saturado de comunicação e desencantado pela obrigação de comunicar é uma das questões centrais de Valha-me Deus. Obras como esta assemelham-se a paisagens de encontros e desencontros de solidões que se cruzam. A relação com os corpos e os espíritos é tão ascética quanto carnal. São exercícios do olhar gerados a partir da própria dificuldade de ver. Em Valha-me Deus, os movimentos dos actores e o ritmo das imagens recompõem o mundo a cada instante através de sucessivos espantos.