O Cálculo dos Silêncios

13.10.2018


O Deserto Vermelho.

Após a estreia de O Deserto Vermelho (Il deserto rosso, 1964), Jean-Luc Godard entrevistou Michelangelo Antonioni:

GODARD: O primeiro título do filme era Celeste e Verde...

ANTONIONI: Abandonei-o, pois não me parecia um título suficientemente viril; estava demasiado directamente ligado à cor. Nunca pensei primeiro na cor em si. O filme nasceu a cores, mas sempre pensei primeiro no que dizer, como é natural, e que ajudava a exprimir através da cor. Nunca pensei: vou pôr um azul perto de um castanho. Tingi a erva que cerca a barraca na margem da lagoa para reforçar o sentido de desolação, da morte. Havia uma verdade da paisagem a reproduzir: quando as árvores estão mortas têm esta cor.

GODARD: O drama não é, portanto, psicológico, mas plástico...

ANTONIONI: É a mesma coisa.[1]

A última frase é esclarecedora. No cinema de Antonioni, a depuração da composição é o produto de uma recusa progressiva da separação entre a dimensão psicológica do drama e as formas do filme. Tal resulta na clara dissolução da construção dramática oitocentista, como bem observou o crítico Angelo Moscariello. A forma é, simultaneamente, revelação e criação. Arrisca uma concepção abstracta da própria imagem do mundo. Parte de um silêncio inaugural que vai desdobrando para determinar a sua importância.

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[1] AA.VV., A Política dos Autores, trad. Isabel Maria Lucas Pascoal (Lisboa: Assírio & Alvim, 1976), 386.