Paris, Texas (1984) começa com um movimento que acompanha a visão de uma águia até esta aterrar em cima de um monte de pedras. A ave observa um homem que, segundo o realizador Wim Wenders, “surge do nada, algures no deserto e regressa à civilização”. Esta deambulação, da águia e do homem, traça o próprio itinerário do filme. A cena em que Travis (Harry Dean Stanton), o tal homem, encontra a sua ex-mulher, Jane (Nastassja Kinski) é, por essa razão, o núcleo da obra. Há um vidro espelhado entre os dois que não permite que ela o veja. Mas ele consegue vê-la. O campo/contracampo que divide as personagens em cada espaço vai dando lugar a imagens do espelho, à medida que a conversa entre eles se torna mais difícil, porque ele não diz quem é e ela não o entende. Se ela vê apenas o reflexo do presente, ele procura nela um reflexo do passado. A cena é extensa, sobretudo porque se estende para além do diálogo inicial, transformando um diálogo num monólogo — ou, talvez, um monólogo a dois num diálogo a um. O ponto de vista limitado dela não lhe permite perceber que ele se foi embora. Jane entrega-se ao seu reflexo e continua a conversar, desdobrando-se em falante e ouvinte. A intimidade encoberta entre os dois nada pode contra a transparência da solidão.