A generalidade do cinema depende do acto figurativo, do que se vê, mas nem todo transforma esse acto num gesto de encenação do excesso. Encontramos essa forma de expressão em filmes como Duelo ao Sol (Duel in the Sun, 1946), realizado por King Vidor, produzido por David O. Selznick, onde a sombra traça os contornos da tragédia. David Cronenberg segue um caminho semelhante na sua obra, encenando o excesso como intensidade. Crash (1996) confirma a centralidade da corporalidade na sua filmografia. O contacto com superfície glaciais intensifica a procura de vida, mais ou menos humana, dos corpos. Estes corpos parecem estátuas que pulsam. Um olho clínico percorre a chapa de um avião e descobre uma mulher que se funde com ela. Um ouvido clínico capta vozes metálicas em suspenso. Os dedos de Catherine Ballard (Deborah Kara Unger) agarram-se à barra de uma varanda, a câmara avança ao ritmo do sexo, fixando-se no fluxo de automóveis nas artérias a que chamamos auto-estradas, em abundante azul.