A sequência de abertura do western Aconteceu no Oeste (C’era una volta il west, 1968) constrói um espaço. Dá-lhe densidade. Permite que as suas dimensões se tornem quase tangíveis, quase medíveis. Os elementos cenográficos são compostos em profundidade e a clareza visual é complementada pela montagem sonora. O cinema de Sergio Leone ancora-se, em grande medida, na compreensão do funcionamento dos códigos dos géneros cinematográficos para os transformar em pura abstração. Nesse sentido, a este filme podemos acrescentar um título como Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America, 1984), um filme de gangsters. O movimento de transformação em Aconteceu no Oeste desenvolve-se através de um rigoroso jogo de escalas, linhas, perspectivas, detalhes. O som é um dos elementos que confere características multidimensionais à imagem e, neste caso, com grande relevo. O controlo da graduação cria um conjunto de relações formado a partir de pequenos ruídos contínuos — o voo da mosca, as gotas de água, a rotação das hélices — que ora são combinados ora são separados. O som da rotação das hélices, por exemplo, é longínquo e insistente durante toda a sequência, até ocupar por inteiro a imagem e o som rompendo o silêncio que sucede ao tiroteio.
Sobre o Silêncio do Mundo
Para Marguerite Duras, primeiro tenta-se escrever até que um dia se começa a escrever. Nos seus textos sobressai uma extrema plasticidade da escrita, a literatura como coisa fátua, uma ironia cortante que parece desfazer o mundo sem o refazer. Escrevia ruínas, uma realidade precária, sem abrigo. Para ela, mais do que uma forma de preservação, a escrita era a consumação do que se vive, um processo de desgaste idêntico ao do tempo que passa. Duras como cineasta era semelhante à Duras como escritora. Basta India Song (1975) para concluir isso. Uma paisagem despovoada ou um arranjo de objectos tornam-se de repente num território interior. É a palavra que abre esse lugar interno, mas poroso. A palavra que recusa ilustrar, que assume a sua espessura humana, que nasce sobre o silêncio do mundo.
Spectres of Today
Following an invitation from Maria do Carmo Piçarra that I accepted with enthusiasm, I am participating in a one-day workshop on (post)colonial film and intermediality at the University of Reading next Thursday. Detailed information about this event organised by the Centre for Film Aesthetics and Cultures (CFAC) is available on this webpage.
My paper is called “Spectres of Today: Fractured History and Digital Modulation in Horse Money (2014)”. The summary is as follows:
It took Pedro Costa four feature films to get to Horse Money (Cavalo Dinheiro, 2014). In Down to Earth (Casa de Lava, 1994), a nurse accompanies an immigrant worker in coma from Lisbon to his homeland, the Cape Verdean island of Fogo. Bones (Ossos, 1997), In Vanda’s Room (No Quarto da Vanda, 2000), and Colossal Youth (Juventude em Marcha, 2006) form a trilogy in which a group of Cape Verdean immigrants who lived in the Fontainhas slum becomes central. First travelling to Cape Verde, then getting to know and working with people from that Portuguese ex-colony on the outskirts of Lisbon, Costa’s films respond to the need for the voices of the subaltern — the colonised, the discriminated, the exploited — to be articulated and valued. This paper argues that Horse Money tackles the spectres that haunt contemporary Portuguese society in a radical way, both politically and aesthetically. Its politics of representation are connected with the composition of a fractured history. These fractures emerge from the intricate interchange between Portuguese and Cape Verdean creole as well as the conflicting ruptures and continuities after the 1974 Carnation Revolution. In consonance with this approach and these themes, the use of digital video that has become usual in Costa’s cinema since In Vanda’s Room achieves hauntingly expressive qualities through mise-en-scène and image modulation.
Commodities in Transit
The Working-Class Studies Association 2018 Conference starts this week. It is hosted by the Center for the Study of Inequalities, Social Justice, and Policy at Stony Brook University, New York, with the title “Class at the Border: Migration, Confinement, and (Im)mobility”. Program and other information here.
I am eager to participate in the conference and grateful for the financial support of Nova Institute of Philosophy (IFILNOVA). Here is the abstract for my paper, “Commodities in Transit: Restrained Circulation and Transnational Exploitation in Trance (2006)”:
Trance (Transe, 2006), directed by Portuguese filmmaker Teresa Villaverde, is a poetic and harrowing film that conveys the reality of human trafficking and prostitution. Its protagonist, Sonia, played by Ana Moreira, is a Russian girl who leaves a bleak life in search for a better future in western Europe. She is later kidnapped while working at a car dealer in Germany and dragged from country to country as a sex slave. Her last stop is in Portugal. Trance portrays Sonia’s restrained circulation and transnational exploitation using a contemplative style. Such circulation and exploitation contrasts with the abolition of passport control within the Schengen Area and the creation of the euro currency in most of the European Union (EU). The process of capitalist integration and neoliberal policies of the EU gave rise to a situation in which workers moving within its countries or migrating to them easily fall prey to labor exploitation that goes unpunished. Trance is a key work of cinematic art for understanding the recent social and economic changes after the disappearance of the Eastern Bloc and the expansion of the EU. Throughout the journey it describes from Russia to Portugal, landscape mutates, language changes, but the use and abuse of women as commodities remains the same.