Impossível Intimidade

07.02.2018


Pornogeständnisse #4.

Há algum tempo que o cinema pornográfico não pode ser definido a partir do interdito. Está exposto, acessível, multiplica-se em ecrãs. As suas imagens não vivem na sombra de outras imagens; introduzem-se no meio delas. O que o configura é o que filma, mas sobretudo o modo como olha aquilo que filma. O olhar pornográfico tem dimensões culturais e sociais.

Em 2001, a alemã Heinrich Holtgreve fotografou várias pessoas a verem filmes pornográficos para a revista NEON. Esta série, Pornogeständnisse, mostra o efeito melancólico da pornografia e coloca, no seu centro, o drama do corpo. Louis Daguerre e Nicéphore Niepce chegaram à primeira solução prática do problema da fotografia no final da década de 1830. A daguerreotipia permitiu a rápida evolução de uma conquista técnica utilizada sobretudo para fazer retratos. A difusão da fotografia na primeira metade do séc. XIX afectou a pintura retratista ao ponto de numerosos pintores, sobretudo miniaturistas, se converterem em fotógrafos. Lembremos também a ligação do retrato nu à identidade e à intimidade, em particular na arte funerária. A pornografia começa como uma pulsão de vida, contra a pulsão de morte, no seguimento de Sigmund Freud.

As imagens pornográficas não querem mediar, mas envolver, implicar. Eis o desejo que as anima. Este grau de mimesis cumpre-se no detalhe e movimento do cinema. A transgressão passou a intimidade até à abstracção pornográfica. Aqui, a noção de voyeurismo, mais do que inadequada, é deslocada. Ser voyeur é um acto solitário: quem é visto desconhece que está a ser observado. Talvez seja uma definição reconfortante do ponto de vista moralista, mas nada tem a ver com a frontalidade da pornografia filmada, que é mais penetrante do que a de outros meios de representação. Essa frontalidade tem um carácter inócuo, por assim dizer, de redundante honestidade. O pornográfico é a verdade encenada sem qualquer obscuridade e pode parecer insolente. A prestação de provas é, por isso, uma regra fundamental na pornografia. Dar a ver a ejaculação masculina é uma dessas provas de que algo aconteceu e foi dado ao olhar do espectador. Money shot é o plano que gera (mais) dinheiro porque mostra que o sexo não é simulado.

O realismo da pornografia como hipótese de representação é limitado, ingénuo. Nenhum corpo se reduz à genitalidade, nem a actividade genital esgota os sentidos da sexualidade. Na pornografia, o corpo transforma-se numa pura máquina genital, a sexualidade é reduzida ao sexo. Talvez por isso os grandes planos escasseiem. O grande plano pode corresponder ao extremo da intimidade com a actriz ou o actor, no interior do fluxo dramático que confere interioridade a uma personagem. A relação com as imagens de um filme pornográfico só pode ser sexual, com tudo o que isso tem de fantasmático também. O importante é a forma como as cenas conseguem instalar a ideia de que quem está a ser filmado sabe que é olhado, muitas das vezes olhando directamente para a câmara. Noutros filmes isso seria algo estranho, a evitar. Nestes filmes, é o que estica e mantém, sem partir, o fio de olhares de que a pornografia se alimenta. São contratos distintos.

Nos filmes pornográficos, a intimidade é oferecida, mas é impossível. Porque estes filmes estão construídos no pressuposto de que tudo pode ser dito sobre o corpo. Mas o corpo é indizível, tem modos de expressão e comunicação que são pessoais e intraduzíveis. Sem o mistério da familiaridade, a intimidade não é possível. Estando nus, os corpos representados pelo cinema pornográfico estão irremediavelmente cobertos até à ocultação. O corpo é aqui uma mercadoria, sujeita às relações de produção e reprodução do capital.