Tempos, Espaços

17.11.2017


Hiroshima, Meu Amor.


Providence.

A imagem é um lugar de encontros e cruzamentos de direcções e sentidos. A sua dimensão sensória cruza-se com a complexidade dos níveis do espaço e das camadas do tempo.

Alain Resnais disse uma vez que a verdade do olhar é a montagem, não a panorâmica, porque o olhar é transportado de um ponto para outro sem ver entre os dois. O conjunto da sua obra talvez seja a mais profunda reflexão sobre as possibilidades da narrativa fílmica produzida em toda a história do cinema, porque o seu tema central é exactamente a potência narrativa do cinema. Resnais, influenciado pela pintura, em especial por Cézanne, pretendeu com Hiroshima, Meu Amor (Hiroshima mon amour, 1959) anular o efeito de perspectiva na narrativa, através da inscrição de uma multiplicidade de vozes na superfície do filme. As várias linhas resultantes teciam uma coerência interna em que as palavras escritas por Marguerite Duras guiavam a visão. A montagem era um processo de construção do ritmo narrativo e de outros espaços, junção de múltiplas imagens, equivalente ao trabalho da memória. Através da fragmentação sonora e visual, o filme ia delineando uma continuidade própria do cinema.

Noutra obra sua, Providence (1977), o cineasta conseguiu efeitos semelhantes através de formas completamente diferentes. A longa panorâmica de 360º na sequência final tornava o tempo maleável pelo espaço. No início do plano, a comida está a ser servida na mesa colocada no exterior. A câmara faz depois um movimento panorâmico completo que dura um minuto e meio, mostrando o jardim. Quando volta a enquadrar a mesa, o almoço está a terminar. Quantos minutos naquele minuto e meio?

Eis duas opções para quebrar a unicidade do tempo e do espaço no cinema. Toda a história é assim (re)feita.