Começou ontem na Universidade de Coimbra o Colóquio “Visões da Luz” integrado nas comemorações do Ano Internacional da Luz 2015 e dos 725 anos da Universidade. Decorre durante três dias no Auditório da Reitoria. Mais informações aqui.
Participo amanhã neste encontro interdisciplinar com uma comunicação que leva o título “Nem Pura Luz, Nem Sombra: Nostalgia de la luz como Documentário Poético Politizado”, da qual deixo o resumo:
Não há pura luz
nem sombra nas lembranças:
estas fizeram-se cinza lívida
ou pavimento sujo
de rua atravessada pelos pés das gentes
— PABLO NERUDA, “Não Há Pura Luz”Com Nostalgia da Luz (Nostalgia de la luz, 2010), Patricio Guzmán continua e desenvolve uma obra documental em torno da inscrição da memória da ditadura militar fascista de Augusto Pinochet no Chile actual. Enquanto astrónomos buscam as origens da humanidade nos astros a partir do deserto de Atacama, há mulheres que procuram os restos mortais dos seus familiares no mesmo lugar. Mostrando as relações entre a ciência e o passado, por um lado, e a arte e o passado, por outro, o filme mistura e liga, caldeia, o sentido literal e o sentido figurado. Receber luz das estrelas longínquas e lançar luz sobre o destino das vítimas da ditadura são duas formas complementares de criar conhecimento e de procurar esclarecimento. Nostalgia de la luz opta pelo modo documental poético que Bill Nichols descreveu, mas problematiza a forma como ele o define. Ainda que trabalhe ritmos temporais e justaposições espaciais através de associações e padrões, dando prioridade ao tom, ao ambiente, à textura, à afecção, o filme inclui demonstrações de conhecimento e actos de persuasão, ampliando a componente retórica que costuma ser reduzida neste modo documental. Esta singular característica está relacionada com a sua perspectiva politizada, correspondendo à necessidade, articulada por Walter Benjamin, da politização da arte contra a estetização da política no combate contra o fascismo. A composição poética surge a par da dimensão da lembrança, da memória que a humanidade carrega consigo sem conhecer, da memória que as gentes chilenas não querem esquecer, investigando-a, reconstituindo-a. Em Nostalgia da Luz, que podemos descrever com rigor como um documentário poético politizado, nem a poesia é um adorno, nem a politização é um acrescento. São modos de perspectivar a realidade viva que o filme salienta como emergindo da realidade como história vivida.