Começa hoje o congresso internacional Mosteiros Cistercienses: Passado, Presente, Futuro em Alcobaça, com uma palestra de um abade de S. Isidro de Dueñas, Juan Javier Martín Hernández, OSCO. Seguir-se-á um concerto de Elena Gagera (canto) e Antón Cardó (piano).
Amanhã arrancam as apresentações das comunicações que vão ocupar os dias 15 e 16. Apresento uma comunicação logo na manhã do primeiro destes dias intitulada “Permanecer no Amor: A Arte e Teologia de Dos Homens e dos Deuses”. Eis o resumo:
Lemos na primeira carta de São João: “Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele.” (4,16). Dos Homens e dos Deuses (Des hommes et des dieux, 2010), vencedor do Grande Prémio e do Prémio do Júri Ecuménico do Festival de Cannes em 2010, dirigido pelo francês Xavier Beauvois, centra-se num grupo de nove monges trapistas que decidem precisamente permanecer no amor. Baseado em eventos ocorridos em Tibhirine, na Argélia, o filme mostra a convivência íntima e pacífica dos monges com a maioria muçulmana local. A fragilidade do governo e o aparecimento de grupos terroristas criam uma nova situação que dilacera a tranquilidade e coloca em perigo de vida a população e estes membros da Ordem de Cister. A violência não os detém e depois de orarem, meditarem, e conversarem, decidem ficar. Apenas dois sobreviveram ao martírio. Os outros sete foram mortos na noite de 26 para 27 de Março de 1996.Esta comunicação analisa esta obra cinematográfica tendo em vista a apreciação do seu valor artístico e teológico. Dos Homens e dos Deuses é um filme que capta os hábitos que enformam um quotidiano comunitário. Tais práticas não constituem uma rotina, naquilo que esta tem de aborrecido, nem são meramente definidas pela sua frequência. Elas fazem parte de modo de habitar, que não é mais do que encontrar uma morada para o ser como escreveu Martin Heidegger. A existência dos monges é dedicada a duas acções, rezar e trabalhar, fixadas no lema de São Bento: “reza e trabalha”, “ora et labora”. Esta comunidade monástica funciona como um corpo quase sempre silencioso. Os seus membros repartem tarefas, sendo a sua vivência quotidiana marcada pelas sucessivas orações comunitárias da Liturgia das Horas. No entanto, este não é um grupo que se enclausura no mosteiro, sem abertura aos outros ou contacto com o exterior. Pelo contrário, Luc (Michael Lonsdale), um dos monges, é médico e oferece assistência a quem necessite dela e o grupo participa em celebrações muçulmanas na vila. Encontramos neles o verdadeiro sentido do impulso ecuménico do Concílio Vaticano II: o ecumenismo não tem a ver com tolerância, com o acto de tolerar algo que não precisa de qualquer permissão para existir, mas com a partilha da verdade que une as religiões cristã e muçulmana.
À medida que as ameaças crescem, a vida dos monges, limitada ao interior do mosteiro, vira-se para dentro. O filme torna-se mais nocturno e o que sobressai é um aspecto fundamental da espiritualidade cisterciense: a entrega à contemplação como procura contínua da união com Deus. É olhando internamente que os monges percebem o que têm de fazer. O que fazem é cumprir o seu voto de estabilidade, que complementa os seus votos de pobreza, castidade, e obediência. Este voto implica a aceitação da permanência na mesma congregação, com as suas memórias e raízes, sem possibilidade de transferência. A acção destes monges é portanto um testemunho de um amor que busca assemelhar-se ao amor que Deus tem por todos, sem excepção, tal como foi anunciado por Jesus Cristo. Se o amor é a “fidelidade no tempo” como escreveu o Papa Bento XVI, eles mantêm-se fiéis às suas promessas, à sua fé, ou seja, a si mesmos. Não havia forma de desfazerem a congregação, de faltarem aos seus compromissos de vida, de abandonarem aqueles que se tornaram próximos, sem se desligarem de Deus.