Ontem participei num debate com António Costa (Clap Filmes), Paulo Fonseca (Fila K Cineclube), e Tiago Santos (Caminhos do Cinema Português) sobre cinema e espaço público no TAGV, em Coimbra. No texto de apresentação lia-se: “O gosto pelo cinema é um pretexto para uma conversa sobre a programação e exibição cinematográfica. Os públicos, a sua fidelização ou os novos públicos. Os filmes que se podem ver e os que gostaríamos de ver em Coimbra. Como ver e onde ver.” Escrevi estas linhas para iniciar a conversa pelo meu lado:
Diz muito bem o texto de apresentação: públicos em vez de público. Mesmo assim penso que preferia espectadores. O que alimenta a programação é o desejo de um novo espectador, seja este um membro da audiência habitual ou ocasional. Isto é, aquele ou aquela que permanece, que fixa os olhos no ecrã e apura os ouvidos, que dedica a sua atenção ao filme que corre à sua frente. A programação é, nesse sentido, um convite. Vem. Queremos mostrar-te isto. Achamos que vale a pena dispores parte do teu tempo para estares aqui. E este é um convite dirigido a uma pessoa, não a um consumidor de cultura. Quem consome é também consumido, exactamente no mesmo gesto. Por isso, é importante passar a ideia de que programar filmes não é programar espectadores. E isto é especialmente verdade em relação aos espectadores que regressam. A fidelidade deve ser vista como uma aventura que exige uma certa audácia.
Neste sentido, falar de espaço público é falar de um lugar de partilha. É claro que o cinema pode ser visto num espaço privado. Mas, como toda a arte, convida à partilha, à conversa, à diferença (e não à indiferença). No outro dia, um conhecido blogue português dedicado ao cinema e à música, lançava a pergunta: “Como consumir cultura em tempo de crise?” Volto à questão do consumo cultural. Consumir cultura remete para uma acção indiferente, sem verdadeiro interesse ou envolvimento, que se alimenta até ao fim do que consome e depois procura outra coisa para satisfazer o apetite. A fome fica intacta. Que fome é essa? É a de que as criações culturais nos marquem, deixem marca em nós, nos transformem, nos façam parar, nos atirem para fora do acto automático de procurar incessantemente outra e outra coisa, muitas vezes semelhantes. O espaço público leva-nos ao confronto com os outros e a ver esse tipo de resposta nos outros. Em todo o caso, e estou aqui para trazer o ponto de vista de um professor, aquilo que se deve incentivar é que os jovens (mas também os espectadores em geral) tenham esta disponibilidade para a singularidade de cada filme — isto é, para se dedicarem ao que olham e ouvem, para se maravilharem, para serem livres.
Tem sido essa ideia que dirige o ciclo Cinema às Segundas que mostra alguns filmes recentes, importantes, que não passaram em Coimbra. E no futuro teremos outras iniciativas com filmes mais antigos, ou até obras contemporâneas que não tenham sido exibidas em Portugal, nomeadamente como apoio às cadeiras de cinema do curso de Estudos Artísticos. Programas de filmes como estes têm uma função pedagógica, mas tal como os estudantes devem encontrar o seu caminho, também o essencial é que os filmes falem por eles próprios. Penso que, no essencial, a nossa tarefa é criar um espaço no qual o cinema possa falar e ser escutado, despertando a vontade das pessoas falarem e serem escutadas. A cultura é precisamente o que acontece quando há esse encontro e é, por isso, sempre um processo dialógico.