Fot. Francisco Soares de Oliveira, FLUC.
O n.º 16 do Magazine Vive as Letras!, publicação trimestral que dá a conhecer pessoas, projectos, e espaços da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, inclui um texto meu enquadrado na rúbrica “Hoje Investigo Eu,” sobre o trabalho de investigação que estou a desenvolver. Está disponível aqui. Aqui deixo o texto integral:
Encontro-me atualmente em licença sabática—uma pausa letiva que tem sido, na verdade, muito ativa no plano da investigação, como deve ser. Neste tempo, tenho aprofundado um tema inserido numa questão mais ampla que tem guiado grande parte do meu percurso como investigador e docente: de que formas o cinema expressa diferentes mundivisões? O tema que hoje me ocupa é, mais especificamente, o das relações entre o cinema e a religião. Investigo como o cinema—essa arte do olhar e da escuta—nos pode ajudar a enfrentar os desafios espirituais e sociais do nosso tempo: a diversidade religiosa, o conflito, o desejo de diálogo num mundo onde, tantas vezes, se fala alto e se escuta pouco.Como docente da Faculdade de Letras e investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade de Coimbra (CEIS20)—duas casas das Artes e Humanidades que partilham um mesmo espírito de curiosidade e abertura à experiência humana, à cultura, às formas simbólicas, às expressões criativas e aos modos de sentido através dos quais entendemos e representamos o mundo—aprendi que pensar é partir de uma disciplina, mas não encerrar-me nela. Pensar, afinal, é atravessar fronteiras: entre a arte, a teologia e os estudos religiosos; entre a estética e a ética; entre o visível e o invisível. Esse impulso interdisciplinar é o que me guia—o de compreender como o cinema pode ser, ao mesmo tempo, espelho e ponte.
O cinema interessa-me, sobretudo, porque encarna. É feito de corpos, de luz, de movimento, e de tempo—de tudo o que nos recorda que a experiência humana é, em simultâneo, material e espiritual. Alguns filmes tornam-se verdadeiras orações em imagens: formas de atenção ao mundo e às suas feridas. É por isso que o meu trabalho tem procurado compreender como o cinema nos ensina a ver o sagrado no quotidiano, a transcendência na matéria e a possibilidade de reconciliação na diferença.
Tenho-me concentrado em três projetos que deverão dar origem a livros em língua inglesa, atualmente em diferentes fases de desenvolvimento—do mais ao menos avançado. O primeiro é dedicado ao cinema e à estética da encarnação. Parte da ideia de que o cinema é uma arte privilegiada para explorar a tensão entre imanência e transcendência, articulando a noção de presença com os conceitos de graça e de sacramento, a partir de uma abordagem fenomenológica e plurirreligiosa. O segundo centra-se no cinema, na religião e na superação da violência. Analisa as representações cinematográficas de conflitos religiosos e os processos de pacificação e reconciliação, propondo o cinema como uma verdadeira escola de paz, fundada numa apreciação artística em que a empatia e a memória abrem caminho à reconciliação. O terceiro examina e expande o contributo do cinema para o diálogo inter-religioso. Procura formular metodologias para compreender o cinema como território de encontro entre diversas tradições de fé, ampliando o olhar e desarmando preconceitos.
Estes projetos ligam-se diretamente ao trabalho que coordeno na FID: Film and Interreligious Dialogue, sediada no CEIS20. A FID é uma rede internacional de investigação que reúne membros interessados em estudar a dimensão cinematográfica da religião e em aperfeiçoar o cinema como espaço de diálogo. Desenvolve investigação que procura fortalecer a igualdade cultural e religiosa, articulando-a com questões étnicas, de género e raciais. Através de sessões de cinema, debates, conferências, seminários, publicações, ações pedagógicas e outras atividades, a FID procura fazer do cinema um idioma de convivência—um lugar onde a diferença se reconhece sem se anular.
Tenho procurado fortalecer os laços internacionais nesta linha de trabalho, colaborando com instituições como a Duke University, nos Estados Unidos, onde estive recentemente dois meses como investigador visitante. Visitarei outras instituições na Irlanda, em Espanha, e em Itália, num esforço que não se mede apenas em publicações ou na expansão de redes de contacto, mas em conversas demoradas, ideias partilhadas e encontros improváveis—passos de um caminho que pensa o cinema como uma arte que coloca, no centro da sua expressão, a hospitalidade e a alteridade.
