A Câmara Itinerante

31.03.2020


A Corda.

“A moldura polariza o espaço para o interior, enquanto tudo o que o ecrã nos mostra se supõe prolongar-se indefinidamente no universo. A moldura é centrípeta, o ecrã centrífugo”,[1] escreveu André Bazin. O carácter centrífugo do ecrã sobressai quando a câmara deambula, demarcando um itinerário mental com as imagens. É isso que acontece na famosa cena do assassinato em O Crime do Senhor Lange (Le Crime de Monsieur Lange, 1936), dirigido por Jean Renoir, quando a câmara abandona Amédée Lange e roda 360 graus, mostrando o vazio. Na verdade, o que o plano filma é o deslocamento da personagem até ao momento do crime.

A coincidência entre dois tempos fílmicos, o da experiência e o diegético, fará com que a câmara ganhe um desejo de transitar, de se deslocar, de explorar o universo para lá dos limites do quadro. Mas o plano inicial de A Sede do Mal (Touch of Evil, 1958) e os planos rigorosamente encadeados em A Corda (Rope, 1948) são demonstrativos de que esse movimento nem sempre se baseia numa simples noção de continuidade. Nestes casos, o percurso da câmara é descontínuo e experimentado como uma sucessão de momentos e não como um momento único, sem interrupções.

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[1] André Bazin, O Que é o Cinema?, trad. Ana Moura (Lisboa: Livros Horizonte, 1992), 200-1.