Digitar o Digital

20.05.2019


Adeus à Linguagem.

No próximo dia 23 participo no primeiro Seminário de Primavera (On Cinema), organizado pelo Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes (CITAR) da Escola de Artes da Universidade Católica Portuguesa, Porto, e o Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa (ILCML) da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Trata-se de um novo fórum de discussão das novas práticas de investigação sobre cinema. Surge da necessidade de pensar como a cultura fílmica tem evoluído, como a sua experiência estética se transformou, e como podemos caracterizá-la no presente. Mais informação aqui.

O meu contributo intitula-se “Digitar o Digital” e tem o seguinte resumo:

Sendo o cinema digital frequentemente baseado numa estética da pós-produção, o trabalho que produz as suas imagens em movimento torna-se menos visível do que no cinema analógico, que depende mais da fase de rodagem. Este desaparecimento do trabalho e dos trabalhadores na indústria cinematográfica pode ser transformado em presença através da análise fílmica, atendendo ao modo como o filme torna presente as operações que o geraram. Embora o cinema digital, como toda a arte digital, se materialize na produção, a sua natureza aparentemente imaterial ou multimaterial tem facilitado o apagamento e o esquecimento do trabalho que o origina. As imagens em movimento produzidas por esse tipo de filme podem ser consideradas como pertencentes a uma longa linha de imagens produzidas pela mão humana, usada há dezenas de milhares de anos para servir como estêncil ou para manipular pigmentos na pintura rupestre pré-histórica, e empregue hoje para criar e moldar elementos digitais para o cinema. As imagens digitais são, neste sentido e em primeiro lugar, imagens digitadas. Ou seja, é o emprego das mãos e dos dedos que fabrica essas imagens e deixa uma série de marcas na sua composição e modulação. Por isso, é necessário considerar como elas são produzidas e sob que condições, não apenas neutralizando a obliteração e a desvalorização do trabalho, mas também reconhecendo que a apreciação estética do cinema digital deve levar em conta a produção na sua base. Para desenvolver esta reflexão dialogarei com pensadores como D. N. Rodowick, Claire Colebrook, e Jacques Derrida, e analisarei brevemente dois filmes recentes de Jean-Luc Godard: Adeus à Linguagem (Adieu au langage, 2014) e O Livro de Imagem (Le livre d’image, 2018).